
Audiência Pública debate guarda responsável e ataques envolvendo cães da raça pitbull
A Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese) promoveu, nesta quarta-feira (16), uma Audiência Pública para discutir o tema “Ataques envolvendo cães da raça pitbull: responsabilidade dos tutores e políticas públicas de prevenção”. A iniciativa foi da deputada Kitty Lima (Cidadania) e reuniu autoridades, especialistas, órgãos públicos, representantes de instituições e entidades da causa animal. O evento ocorreu no auditório da Escola do Legislativo.
O objetivo central da audiência foi ampliar o debate sobre episódios de agressões cometidas por cães da raça pitbull, frequentemente estigmatizada, e outras raças de médio e grande porte, propondo a construção de soluções coletivas a partir da ótica da guarda responsável e da proteção à vida, tanto humana quanto animal.
Deputada estadual Kitty Lima
A parlamentar, que possui atuação destacada na pauta animal, enfatizou que o intuito do debate não é criminalizar uma raça, mas sim trazer à luz a responsabilidade dos tutores e a necessidade de políticas públicas sérias, técnicas e efetivas.
“Precisamos de políticas públicas que promovam a conscientização da população sobre o convívio seguro com os animais. Defender a guarda responsável é proteger tanto os seres humanos quanto os próprios cães. Em quase todos os casos que fui pessoalmente acompanhar, a negligência do tutor foi evidente. Em Nossa Senhora do Socorro, por exemplo, um pitbull arrebentou a corrente e atacou um cavalo que puxava uma carroça com crianças. O animal estava submetido a um confinamento constante, acorrentado dia e noite, exposto ao sol e à chuva. Isso gera estresse e instabilidade. Não é culpa do cachorro”, afirmou Kitty Lima.
A deputada ainda destacou que, nos diversos episódios registrados em Sergipe, como em Pirambu e Nossa Senhora das Dores, os cães estavam sob cuidados inadequados, sem socialização, treinamento ou supervisão adequada. Para ela, o problema não está na raça, mas na conduta de seus tutores.
“O pitbull é um animal dócil, posso atestar isso como alguém que já resgatou vários. Mas precisa de um ambiente adequado, de estímulo e afeto. Por isso estamos aqui, com representantes dos Ministérios Público Federal e Estadual, Polícia Militar, Civil, Guarda Municipal, Conselho Regional de Medicina Veterinária, Departamento de Proteção Animal do Estado e especialistas, para discutir a formulação de uma proposta legislativa que responsabilize os verdadeiros culpados: os tutores negligentes”, reforçou.
Karlisson Souza
Especialistas reforçam o papel da orientação e treinamento
O adestrador Karlisson Souza, com mais de uma década de experiência em comportamento canino e treinamento de cães de guarda e proteção, explicou que a maioria dos ataques é resultado direto da má condução dos tutores.
“Grande parte dos cães que apresentam comportamento agressivo é vítima da falta de atividade física, estímulos cognitivos e ambiente equilibrado. Isso eleva o nível de estresse e de cortisol, predispondo à reatividade. Além disso, é fundamental que os cães, sobretudo os de médio e grande porte, estejam sempre na guia em locais públicos. Mesmo um cão sociável pode reagir por impulso se for provocado ou se sentir ameaçado. O problema é a negligência, não a raça. Pitbulls não foram desenvolvidos para agredir humanos, e sim para conviver com eles. A intolerância que apresentam a outros cães pode ser controlada com treinamento adequado”, pontuou.
Responsabilidade legal e papel do poder público
Promotor de Justiça Sandro Costa
O promotor de Justiça Sandro Costa, mestre e doutor em Direito Ambiental, parabenizou a iniciativa e fez um apelo à consciência coletiva sobre o tema:
“É urgente que a sociedade compreenda o dever de criar esses animais com responsabilidade. Casos recentes de ataques a crianças, cavalos e até de linchamento de cães mostram o desequilíbrio causado por tutores negligentes. O animal não age por maldade, mas sim por impulso, frequentemente alimentado por maus-tratos ou isolamento. Já existem leis que atribuem ao ser humano a responsabilidade sobre esses atos. O animal é apenas o meio. Quem deve ser responsabilizado é o tutor”, destacou.
Na mesma linha, o procurador da República Igor Miranda, do Ministério Público Federal, reforçou a necessidade de harmonizar o convívio humano com os animais por meio de ações preventivas e legislações eficazes.
Procurador da República, Igor Miranda
“O Código Civil já estabelece a responsabilidade do tutor pelos danos causados. Aqui em Aracaju, existe uma lei municipal que obriga o uso de guia e focinheira em cães de grande porte. Mas em muitos dos nossos 75 municípios isso ainda não está regulamentado. Talvez seja hora de a Alese discutir uma lei estadual sobre a obrigatoriedade dessas medidas em todo o território sergipano. A fiscalização e a conscientização são ferramentas fundamentais para evitar que episódios de violência ocorram por omissão humana”, sugeriu.
Escuta da sociedade e caminhos para a legislação
Representando o Ministério Público Estadual, o procurador de Justiça e ouvidor-geral Deijaniro Jonas Filho destacou que, mesmo sem registros oficiais na ouvidoria, há conhecimento de que promotorias do interior do Estado já investigam casos de ataques envolvendo cães.
Procurador de Justiça e ouvidor-geral Deijaniro Jonas
“Estamos diante de uma questão que exige respostas do Estado, especialmente do Legislativo. Qualquer nova legislação deve ser fruto de escuta ampla da sociedade, como ocorre neste fórum. Não se trata de demonizar uma raça, mas de entender as causas e os contextos desses episódios, sempre buscando a segurança coletiva e a proteção animal”, afirmou.
Encaminhamentos e próximos passos
Entre as propostas debatidas estão:
• Criação de uma legislação estadual que regulamente o manejo de cães de médio e grande porte;
• Ampliação de campanhas educativas sobre guarda responsável;
• Incentivo à castração em idade adequada;
• Fortalecimento da fiscalização de maus-tratos;
• Estímulo à adoção consciente;
• Inclusão de regras claras sobre uso de guia e focinheira em espaços públicos.
Além da deputada Kitty Lima, compuseram a mesa da audiência:
Sandro Costa, promotor de Justiça e diretor do CaopRH/MPSE; Igor Miranda da Silva, procurador da República (MPF); Flávio Albuquerque, delegado da Delegacia de Proteção Animal e Meio Ambiente (DEPAMA); Adriano Bandeira, secretário de Direitos dos Animais de Socorro; Deijaniro Jonas Filho, ouvidor-geral do Ministério Público de Sergipe; Adriano Cassius Santos Abreu, conselheiro do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV-SE); Christy Monteiro, diretora do Departamento de Proteção Animal do Estado (DIPROAM). Anne Carollyne Costa, representando a Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Aracaju (Sema) e também coordenadora do Programa “Aju Animal”.
A audiência pública reafirmou o papel da Alese como espaço democrático de escuta, diálogo e formulação de políticas públicas que contemplem direitos humanos, proteção animal e segurança coletiva. A expectativa é que o debate seja o ponto de partida para a elaboração de uma proposta legislativa que assegure uma convivência mais harmônica entre pessoas e animais em Sergipe.
Fotos: Jadilson Simões / Agência de Notícias Alese